quarta-feira, 11 de junho de 2008

"Os Caras" e Fernando Pessoa II


A VÉSPERA DE NÃO PARTIR NUNCA

Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranqüilidade a que nem sabe encolher ombros
Por isto tudo, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranqüilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fítando como para nada!
Dorme, alma, dorme!
Aproveita, dorme!
Dorme!
É pouco o tempo que tens!
Dorme!
É a véspera de não partir nunca!

2 comentários:

Elisabete Cunha disse...

Perfeito!

beijo!

Beth disse...

Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!

Maravilha sentir isso...