terça-feira, 24 de junho de 2008

"Os Caras" e Saramago


Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª
edição)

"Os Caras" e o Sul do Equador


Letra e música: Chico Buarque; Ruy Guerra
In: "Feitiço Elektra", 1978
Carlos Ilharco

Não existe pecado do lado de
baixo do Equador
vamos fazer um pecado, rasgado
suado a todo o vapor
me deixa ser seu escracho
capacho, teu cacho
um riacho de amor
quando é lição de esculacho
olha aí, sai de baixo
que eu sou professor
Deixa a tristeza para lá.
Vem comer, me jantar
sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
vê se me usa, me abusa, lambuza
que a tua cafuza
não pode esperar
deixa a tristeza para lá
vem comer, me jantar
sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
vê se se esgota, me bota na mesa
qua a tua holandesa
não pode esperar
não existe pecado do lado de
baixo do Equador
vamos fazer um pecado, rasgado
suado a todo o vapor
me deixa ser seu escracho
capacho, teu cacho
um riacho de amor
quando é missão de esculacho
olha aí, sai de baixo
eu sou embaixador