sexta-feira, 1 de agosto de 2008
"Os Caras" e Nietzsche VII
"ASSIM FALOU ZARATUSTRA"
“De todo o escrito só me agrada aquilo que uma pessoa escreveu com o seu sangue. Escreve com sangue e aprenderás que o sangue é espírito.
Não é fácil compreender sangue alheio: eu detesto todos os ociosos que lêm.
O que conhece o leitor já nada faz pelo leitor. Um século de leitores, e o próprio espírito terá mau cheiro.
Ter toda a gente o direito de aprender a ler é coisa que estropia, não só a letra mas o pensamento.
Noutro tempo o espírito era Deus; depois fez-se homem; agora fez-se populaça.
O que escreve em máximas e com sangue não quer ser lido, mas decorado. Nas montanhas, o caminho mais curto é o que medeia de cimo a cimo; mas para isso é preciso ter pernas altas. Os aforismos devem ser cumieiras, e aqueles a quem se fala devem ser homens altos e robustos.
O ar leve e puro, o próximo perigo e o espírito cheio de uma alegre malícia, tudo isto se harmoniza bem.
Eu quero ver duendes em torno de mim porque sou valoroso. O valor que afugenta os fantasmas cria os seus próprios duendes: o valor quer rir.
Eu já não sinto em unísono convosco; essa nuvem que eu vejo abaixo de mim, esse negrume e carregamento de que me rio, é precisamente a vossa nuvem tempestuosa.
Vós olhais para cima quando aspirais a vos elevar. Eu, como estou alto, olho para baixo.
Qual de vós pode estar alto e rir ao mesmo tempo?
O que escala elevados montes ri-se de todas as tragédias da cena e da vida.
Valorosos, despreocupados, zombeteiros, violentos, eis como nos quer a sabedoria. É mulher e só lutadores podem amar.
Vós dizeis-me: “A vida é uma carga pesada”. Mas, para que é esse vosso orgulho pela manhã e essa vossa submissão, à tarde?
A vida é uma carga pesada; mas não vos mostreis tão contristados. Todos somos jumentos carregados.
Que parecença temos com o cálice de rosa que treme porque o oprime uma gota de orvalho?
É verdade: amamos a vida não porque estejamos habituados à vida, mas ao amor.
Há sempre o seu quê de loucura no amor; mas também há sempre o seu quê de razão na loucura.
E eu, que estou bem com a vida, creio que para saber de felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelhe entre os homens.
Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções.
Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar.
E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do pesadelo. Por ele caem todas as coisas.
Não é com cólera, mas com riso que se mata. Adiante! matemos o espírito do pesadelo!
Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; por conseguinte não quero que me empurrem para mudar de sítio.
Agora sou leve, agora vôo; agora vejo por baixo de mim mesmo, agora salta em mim um Deus”.
Assim falava Zaratustra.
Obtido em "http://pt.wikisource.org/wiki/Assim_falou_Zaratustra/Ler_e_Escrever"
"Os Caras" e Nietzsche VI
"ETERNO RETORNO"
"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"
"Os Caras" e Nietzsche V
"A GAIA CIÊNCIA"
"O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar: "Para onde foi Deus?", gritou ele, "já lhes direi! Nós matámo-lo — vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás para os lados, para a frente, em todas as direções? Existe ainda 'em cima' e 'embaixo'? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos anoitecer eternamente? Não temos de acender lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? — também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós matámo-los! Como nos consolar, nós assassinos entre os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuía sangrou inteiro sob os nossos punhais — quem nos limpará este sangue? Com que água poderíamos nos lavar? A grandeza desse acto não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve um acto maior — e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse acto, a uma história mais elevada que toda a história até então!"
"Os Caras" e Nietzsche IV
"POR QUE EU SOU TÃO INTELIGENTE?" (ECCE HOMO)
Por que eu sei algo mais? Por que, acima de tudo, eu sou tão inteligente? Jamais me pus a pensar a respeito de perguntas que não são perguntas - eu não me esbanjei… Dificuldades religiosas de verdade, por exemplo, eu jamais as conheci por minha própria experiência. Sequer me dei conta até que ponto eu deveria me sentir “pecaminoso”. Do mesmo modo me falta um critério confiável para saber o que é um sentimento de culpa: segundo aquilo que se ouve a respeito, um sentimento de culpa não me parece nada digno de atenção…
"Os Caras" e Nietzsche III
"O ANTI CRISTO"
"Para suportar a minha seriedade e a minha paixão é preciso ser íntegro nas coisas de espírito até as últimas conseqüências; estar acostumado a viver nas montanhas, a ver abaixo de si o mesquinho Charlatanismo actual da política e do egoísmo dos povos; e, finalmente, ter-se tornado indiferente e jamais perguntar se a verdade é útil, se chegará a ser uma fatalidade... Necessária é também uma inclinação para enfrentar questões que hoje ninguém se atreve a elucidar; inclinação para o proibido; predestinação para o labirinto".
"Os Caras" e Nietzsche II
"ALÉM DO BEM E DO MAL"
"Independência é algo para bem poucos: - é prerrogativa dos fortes. E quem procura ser independente sem ter a obrigação disso, ainda que com todo o direito demostra que provavelmente é não apenas forte, mas temerário além de qualquer medida. Ele penetra num labirinto, multiplica mil vezes os perigos que o viver já traz consigo; dos quais um dos maiores é que ninguém pode ver como e onde se extravia, se isola e é despedaçado por algum Minotauro da consciência. Supondo que alguém assim desapareça, isto ocorre tão longe do entendimento dos homens que eles não sentem nem compadecem: - e ele não pode voltar! já não pode retornar sequer para a compaixão dos homens!"
"Os Caras" e Nietzsche I
HUMANO, DEMASIADAMENTE HUMANO
"A gente sóbria e industriosa, em que a religião está bordada como um laurel da humanidade superior: essa gente faz muito bem em continuar religiosa, isso a embeleza. Todos os homens que não entendem o ofício das armas – incluindo entre as armas a boca e a caneta – tornam-se servis: para esses. A religião cristã é muito útil, pois o servilismo toma então o aspecto de uma virtude cristã e fica estonteantemente embelezado. Pessoas, para quem sua vida cotidiana parece demasiado vazia e monótona, tornam-se facilmente religiosas: isto é compreensível e perdoável".
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