terça-feira, 15 de abril de 2008

"Os Caras" e o Adeus!


ADEUS!


Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nos bolsos
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias:
os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto,
antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos nada que dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse:
as palavras estão gastas.
Adeus.

Poema de Eugénio de Andrade, brilhantemente, interpretado por um elemento da Tum'Acanénica do Instituto Politécnico de Leiria, mais propriamente da Escola Superior de Educação.